O que é felicidade para a Filosofia?

As gerações estão convivendo com uma mudança brutal de paradigmas, o mundo tem olhado para a vida de uma outra forma, a loucura do capitalismo e da globalização tem se alastrado sem que ninguém consiga mudar seu curso e tudo fica sem sentido e as novas gerações têm estado presas entre as antigas definições de sucesso e a própria compreensão de vida boa, vida com propósito, que é a vida que vale a pena ser vivida.

Como encontrar sentido? Essa pergunta vem tentando ser respondida há muito tempo. Encontramos questionamentos sobre o que é a vida boa desde os epicuristas, mas talvez muito antes. E esse conceito, como agora entre nós, é variável entre as épocas porque, é claro, o que era uma vida que valia a pena ser vivida no ano 340 a.C. não corresponde ao que é considerado uma vida de valor hoje.

A filosofia, a psicologia e a neurociência vêm destinando mais e mais pesquisas sobre o tema e isto se dá pela simples razão de que nunca fomos tão infelizes. Os números assustam, os índices de suicídio, os números de depressivos, dependentes químicos de álcool ou drogas lícitas ou aquelas prescritas pelo médico que nos mantem dopados e suportando nosso ônus.

A pergunta é: que ônus é esse?

O ônus da vida, de viver, relacionar-se, e mais, de corresponder a expectativas, de representar o papel que esperam de nós, de conquistar o que os outros acham importante e isso dia após dia.

A filosofia nos faz diariamente a mesma pergunta: somos realmente livres?

Para começar eu proponho a seguinte reflexão: O que é uma pessoa bem sucedida para mim? E depois, paro e penso o que é ter uma vida de valor… aquela vida que vale a pena ser vivida, a vida que eu gostaria de ter, que acordaria todo dia ansiosa por meu dia? E as definições não combinam…

Porque quando olhamos para as pessoas que entendemos bem sucedidas, algumas vezes não queremos a vida dela para nós, ou não queremos fazer o que ela faz para ter o que tem. E isso acontece porque simplesmente cada um tem uma forma própria de ser feliz em seu dia a dia e, ter aquele ou este carro, casa de praia ou dinheiro aplicado, trabalhar 10 horas dia sem direito a finais de semana com filhos, deveria ser uma escolha pessoal.

Por isso é tão difícil escolher diferente, talvez ser bem sucedido com uma vida mais simples, com menos horas trabalhadas mas com mais qualidade nos relacionamentos, com mais saúde, talvez?

Ao estudar filosofia, sociologia e psicanálise ficamos muito interessados no tema “sucesso”. O que é o sucesso para cada um de nós. Pensávamos que o sucesso era individual e que cada um entendia uma vida bem sucedida de uma forma, mas não. Não é isso que temos visto e descoberto em analise de milhares de pesquisas. Nós somos levados a achar esta ou aquela vida bem sucedida induzidos pelo pensamento dos outros, primeiro nossos pais, depois amigos, marketing, cultura em geral.

E aí que chegamos onde queremos chegar, em uma das fontes de infelicidade desta geração, a comparação, a competição e a falta de autoconhecimento.

Mas, voltando à história do pensamento, lembraremos que a preocupação com o sucesso, com ter uma vida que vale a pena ser vivida, não é nova.

Desde as doutrinas antigas, dos epicuristas, estoicos e depois em Aristóteles, no judaísmo, budismo, taoísmo, sempre essa ideia de expectativa de sucesso na vida foi avaliada. Uma vida bem sucedida, de valor, para os estoicos, por exemplo, era a de quem estava afinado com o cosmos, em concordância com a natureza; com a cultura republicana, aristocrática, o trabalho entrou como componente de qualidade de vida e a vida boa era a vida de trabalho árduo, de esforço, de conquistas através de um trabalho penoso.

Nada é conquistado sem dor, sem esforço, sem pena. Então, foi alçado a valor número 1 a liberdade e daí se tirava a seguinte conclusão: você tem a liberdade de ser quem é, bem sucedido ou não, e isso depende de seu esforço, de seu mérito e para tanto, você tem que sacrificar o que for para chegar lá.

Com a ética moderna, já no século XVIII, duas doutrinas laicas surgem. O republicanismo ético de Kant que traz o homem para o centro do pensamento e o arma de um dever, o dever ético de agir com boa vontade, o homem passa a ser o fim em si mesmo e, nenhum ato pode ter outra finalidade senão agir de acordo com a lei moral. Aqui, a liberdade é o bem número 1. Mas é uma liberdade estranha porque já vem com um certo e errado, com uma escolha boa e outra ruim, o certo é o legitimo e desinteressado, em nome da boa vontade. Essa era uma vida de valor para Kant.

A segunda ética laica é a do utilitarismo de Bentham e Mill que, em sentido oposto, pregava a doutrina do bem estar. Tudo é permitido para aumentar o prazer e diminuir a dor. Outro extremos de pensamento.

Evoluímos para o hedonismo e para as imposições de felicidade toda hora, uma absoluta utopia. E disso surgem as autoajudas misturadas com pensamentos meritocratas e com a obrigatoriedade de estar feliz o tempo todo sob o entendimento que isso é possível ao seguir aquelas 10 lições.

Filósofos modernos como Ferry e Baumann questionam autores modernos que prometem a felicidade em tantos passos e ponderam, Ferry pela frustração que isso pode causar ao despertar equivocadamente o pensamento de que podemos ter o que queremos e que tem um lugar chamado felicidade que não alcança quem não quer e, por Baumann, sobre o individualismo “do que o fazer só o que eu quero porque quero estar sempre feliz e que se dane o outro” pode causar nos relacionamentos.

Ambos estão certos em suas preocupações e temos que, ao menos, ouvi-los com autocrítica.

Esperar que em um determinado momento da vida seremos felizes é realmente muito perigoso, até porque não sabemos exatamente quando vai ser apitado o final do jogo. Parece que é bastante razoável então, que pensemos numa vida em que todos os dias sejam bons, talvez não plenamente felizes ou perfeitos, mas bons, de valor, dias que valeram a pena viver. E parece razoável então dizer que para que isso aconteça, temos que atender às nossas próprias expectativas do que sejam dias de valor.

Teria que ser uma escolha individual. Teria que ser.

Porque o sucesso não é ser rico, nem famoso, ou ser o número 1 em sua área de atividade, ou ter o corpo perfeito e a família ideal, ou talvez seja tudo isso para uns e não para outros. Talvez para alguns é ter tempo para viajar, meditar, cozinhar para a família naqueles almoços que se emendam com os jantares e tudo isso com menos dinheiro, não pobres mas também não ricos.

Quando olho pra mim mesma, longe de todos, percebo que o sucesso é quando me sinto bem ao final do dia, quando olho pra mim, para quem sou e para o que fiz naquele dia e me sinto feliz, orgulhosa de mim e do que pude proporcionar em utilidade para outras pessoas e para mim mesma. Felicidade para mim é sentir que sirvo para algo, que não vim aqui a passeio, que altero para melhor todos os lugares por onde passo, com meu bom humor, com meu trabalho honesto e que eu mesma escolhi fazer, sinto-me bem com minha postura e aceito minhas limitações. Nem todos os dias as coisas dão certo mas todos os dias eu tenho a certeza que aquele dia dependeu só de mim e que, se eu tiver nova oportunidade no dia seguinte, farei o meu melhor.

Os cientistas dizem que a avaliação perfeita é aquela feita sobre o eu de hoje, sobre o dia que você acaba de concluir e não sobre uma meta futura porque as metas mudam e porque basta o sentimento de que estamos nos dirigindo para onde queremos chegar para nos sentirmos bem sucedidos.

E, para fechar o texto, um resumo das dicas dos epicuristas, os quatro remédios filosóficos para a alma:

1. Os deuses não se ocupam de nós, nada temos a temer deles;
2. A morte não é nada para nós, porque, quando ela está presente, nós já não estamos, e, quando estamos, ela não está;
3. Existem três tipos de desejos: os desejos naturais e necessários, a fome e a sede, por exemplo; os desejos naturais mas não necessários, como o sexo; os desejos não naturais e não necessários, como o prestígio, as futilidades, em suma, tudo o que está mais relacionado ao ter do que ao ser, mais com o consumo do que com a sabedoria;
4. Por fim, os sofrimentos são geralmente breves, quase sempre evitáveis, e tudo depende da maneiro como os encaramos: podem ser especialmente amenizados pela lembrança dos tempos felizes.

Será que esses ensinamentos ainda nos valem?

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